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ITCMD sobre heranças e doações recebidas do exterior e modulação de efeitos

Como se tem conhecimento, o Supremo Tribunal Federal, em 26 de fevereiro deste ano, ao apreciar o Tema n° 825 da repercussão geral, que se encontrava sob análise por intermédio do Recurso Extraordinário n° 851.108/SP, entendeu por bem fixar a seguinte tese: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, §1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional” . 

Isto é, os ministros, em sua maioria, concluíram pela impossibilidade de os estados e o Distrito Federal, na ausência de lei complementar que regulamente a respectiva competência, legislarem de forma supletiva, visto que não dispõem de competência legislativa em matéria tributária para suprir a ausência de lei complementar nacional exigida pelo artigo 155, §1º, inciso III, da Constituição Federal.

As hipóteses contidas no inciso III do §1, do mencionado artigo 155 da Constituição Federal se referem aos casos em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou aos casos em que o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.

Ademais, o STF entendeu ser cabível a aplicação de modulação de efeitos para fixar que os efeitos desse julgamento somente seriam válidos a partir da publicação do acórdão (ocorrida em 20 de abril), mas ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até a referida publicação que tratassem sobre: 1) a qual estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e 2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente.

Vale destacar que a mencionada modulação de efeitos, pelo teor contido no acórdão publicado, restou fundamentada nos seguintes pontos: 1) ter o estado de São Paulo, entre outros, editado previamente lei que instituiu a cobrança do ITCMD nas hipóteses contidas no artigo 155, §1º, inciso III, da Constituição Federal; 2) o negativo impacto orçamentário ao estado de São Paulo por decorrência do reconhecimento da inconstitucionalidade apresentada; e 3) a existência de decisões da própria suprema corte em que restou reconhecida a possibilidade de os estados, com base na competência legislativa plena, editarem leis prevendo a cobrança do ITCMD sobre doações ou bens objetos de herança provenientes do exterior.

Não obstante os referidos fundamentos, se percebe que ficaram de fora das exceções à modulação de efeitos apontadas pelo STF aqueles contribuintes que não buscaram discutir judicialmente o tema com o objetivo de reconhecer o direito ao não recolhimento e de reaver o indevido recolhimento do ITCMD nas hipóteses já mencionadas, bem como e em especial aqueles contribuintes que lançaram mão de demanda judicial com esses objetivos.

Isto é, aqueles contribuintes que de forma legítima e instrumental buscaram obter judicialmente o direito de reaver os montantes que foram indevidamente recolhidos a título de ITCMD aos casos em que receberam doação de doador com domicílio ou residência no exterior ou aos casos em que o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, não serão beneficiados, independentemente do tempo em que a ação judicial individual de cada um tenha tramitado ou da data em que houve o respectivo ajuizamento.

Assim, se pode avaliar a existência do seguinte cenário para os contribuintes que entenderam por bem ajuizar ação judicial a respeito desse tema:

“Ações ajuizadas antes da publicação do acórdão:

Caso o contribuinte não tenha efetuado o pagamento do imposto e esteja discutindo a validade da cobrança, não será compelido a efetuar o recolhimento;

Caso o contribuinte tenha efetuado o pagamento do imposto e esteja discutindo a validade da cobrança e pleiteando a devolução dos valores, não conseguirá reaver o que pagou.

Ações ajuizadas após a publicação do acórdão:

Possibilidade de discutir a validade da cobrança para fatos geradores posteriores à publicação do acórdão enquanto não houver a instituição de lei complementar e da respectiva lei estadual”.

Diante disso, em que pese os fundamentos utilizados à aplicação da modulação de efeitos, se pode verificar que de forma prática houve uma patente diferença de tratamento no tocante aos contribuintes que ajuizaram ação antes da publicação do acórdão do STF para discutir o tema.

Aquele contribuinte que não pagou o ITCMD nas hipóteses aqui tratadas, mas que passou a discutir judicialmente a validade da cobrança antes da publicação do acórdão pelo STF, não será obrigado a efetuar o pagamento do imposto, ao passo que aquele contribuinte que, de boa-fé, efetuou o recolhimento do imposto no momento devido e buscou reavê-lo judicialmente, não logrará êxito em obter a repetição do indébito.

E essa diferença, frise-se, acaba por transparecer insegurança jurídica aos contribuintes envolvidos, pois, ao assim ser aplicada, a modulação de efeitos acabou por privilegiar aquele contribuinte que entendeu por bem não recolher o ITCMD — que poderia até se encontrar inadimplente no momento do ajuizamento da demanda judicial individual —, ao passo que, por outro lado, acabou por prejudicar aquele contribuinte que recolheu o ITCMD e buscou, posteriormente perante o Poder Judiciário, reaver o montante que fora indevidamente recolhido.

Frise-se que, no tocante a esse ponto, foram opostos embargos de declaração pelo contribuinte envolvido em face do acórdão do STF, com o objetivo de ver, entre outros apontamos, esclarecida obscuridade e omissão quanto às exceções à modulação de efeitos, em especial no tocante à preservação do direito dos contribuintes que, antes da publicação do acórdão, buscaram discutir a validade da cobrança do ITCMD bem como a repetição do indébito tributário.

Contudo, ao analisar os embargos de declaração opostos, o STF entendeu por bem não os acolher no tocante a esse apontamento tendo em vista que, em seu entendimento, não houve qualquer obscuridade ou omissão do acórdão de mérito sobre essa questão. O acórdão dos embargos de declaração foi publicado pelo STF em 6 de outubro.

Por certo que, como já pontuado, a manutenção desse cenário transparece a existência de insegurança jurídica. Isso porque o exercício do direito de ação pelos contribuintes [1], em especial àqueles que de forma prévia agiram de acordo com os ditames da legislação de regência ao buscarem reaver recolhimentos indevidos que suportaram a título de ITCMD, também poderia ter sido considerado quando da análise da possibilidade de aplicação de modulação de efeitos pelo STF.

Ou, ao menos, a boa-fé de cada contribuinte que buscou reaver o indébito tributário perante o Poder Judiciário se utilizando de caminhos processuais pré-existentes, pois estes já acreditavam que a exação tributária a qual foram compelidos a suportar o recolhimento era incompatível com os preceitos contidos na Constituição Federal.

Mas, como essa exceção à modulação de efeitos não fora considerada pelo STF ao emanar entendimento a esse respeito, nem mesmo após provocação via embargos de declaração apresentado pelo contribuinte, por certo que o objetivo foi não a instituir, o que, por consequência, demonstra insegurança jurídica aos interessados sobre o tema, em especial àqueles contribuintes que lançaram mão de demandas individuais com o objetivo de questionar a validade da cobrança e de reaver o que recolheram indevidamente a título de ITCMD.

A esses contribuintes, então, bem como a todos os demais, especialmente no que se refere a fatos geradores posteriores à publicação do acórdão ocorrida em 20 de abril, resta-lhes recomendar atenção a eventuais cobranças de ITCMD nos casos em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou aos casos em que o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, pois, enquanto não for instituída lei complementar para regular a matéria, a exigência deverá ser questionada.


[1] “Artigo 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

[…]

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” Constituição Federal.

  

*Diogenys de Freitas Barboza é advogado tributarista no escritório Ferraz de Camargo Advogados, pós-graduado no LL.M. em Direito Tributário pelo INSPER – Instituto de Ensino e Pesquisa, presidente da Comissão de Direito Tributário da 104ª Subseção da OAB/SP

Leia na íntegra: https://www.conjur.com.br/2021-out-20/barboza-itcmd-herancas-exterior-modulacao-efeitos